terça-feira, 13 de abril de 2010

O AEDO E A MUSA

O AEDO E A MUSA
Em seu célere corcel alado a musa cavalgava
enquanto os crisântemos do caminho se deleitavam
da mística que suas madeixas encerrava
ao vê-la passar os lírios solenes se prostravam.
Devota dos mistérios herméticos dizia
ser infalível o prognóstico oracular
e "homem algum neste mundo desposaria
a amazona que no corcel alado cavalgar".
Prosseguia imaculada a virgem mais cobiçada
a executar em sua harpa canções a Afrodite
solitária pintava à praia marinhas apaixonadas
e a noite se deleitava com a história de Nefertite.

Até que um aedo caminheiro de distantes terras
resolveu provisoriamente aquele reino habitar
de helênica beleza, parecendo vir de outras eras
o aedo entre donzelas tangia a sua lira a cantar.
Em sua carruagem fora a musa ao palacete
de em duque, seu tio, que enfermo agonizava.
Ao passar por uma alameda ouviu versos de Goethe
musicados pelo aedo que a lira executava.
Quando os olhares juvenis por segundos se tocaram
os prognósticos do oráculo feneceram de repente.
A musa e o aedo horas depois se deitaram
no tálamo de Eros e foram felizes para sempre.
O AEDO E O HEPTACÓRDIO
Reclinado sobre tulipas jazia o aedo
exaurido tinha o seu heptacórdio à mão
enquanto a primavera desabrochava um canto ledo
o aedo despetalado fenecia em solidão.
Por sucessivas noites pervagou insone
desceu às fossas abismais para aplacar o pranto
com as víceras da angústia saciou sua fome
o heptacórdio silencioso negou-lhe acalanto.
Notívagos seres habitaram-lhe o sono pesadelar
de seus poros a sudorese das trevas escorria
envolto com a melodia da mortalha tumular
estertorava o heptacórdio em sua última agonia.

Eclipsada a magia do luar e a alquimia das estrelas
nada ao heptacórdio o bucolismo devolvia.
Ausentes prados, lírios e nuvens caminheiras
nuvens de concreto e desertos a paisagem preenchia.
Porquanto passassem os dias, a decrepitude acentuava-se
aedo e heptacórdio declinavam ao gélido relento.
Das estâncias de Plutão o desfecho aproximava-se
manifestou-se o imprevisível no último momento.
Compadecidas daquele desaparecimento crepuscular
as tecelãs do tempo paralisaram a funesta tocata
devolvendo pela derradeira vez ao aedo o cantar
e ao heptacórdio a novidade na urdidura da sonata.
O AEDO E O OCTACÓRDIO
Gélido o aedo na colina jaz a murmurar
de sua sensibilidade faz-se ausente a melodia
sem a urdidura do canto ou a arte de cantar
aedo e octacórdio fenecem em agonia.
Silencioso o octacórdio lacrimeja ruídos
de suas cordas brota a partitura do nada
onomatopaica expressão dos sons obstruídos
que prognosticam ao aedo o fim da caminhada.
Outonos defloram o colorido primaveril
Murcham os jardins que revestem o álamo.
Em seus delírios o aedo na madrugada febril
copula com La Dama Muerte em hórrido tálamo.

Em um palácio de Veneza reúnem-se os cameristas
Para a execução de um oratório de Häendel esquecido.
Recorda-se o octacórdio dos virtuosos artistas
Que disputavam-lhe o canto, agora emudecido.
Ao aedo a juventude, quem poderá devolver?
Ao octacórdio o som, quem poderá restaurar?
Somente a fada madrinha da Floresta Negra do Ser.
Somente cultivando a fantasia haverão de perdurar.
Mas se a fada madrinha nas trevas perecer
o aedo sem sonhos mais um homem pragmático será
o octacórdio antiquado irá desaparecer
em beneficio de uma viola caipira e vulgar.

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