terça-feira, 13 de abril de 2010

UM BALAIO DE OLHARES

Hoje é Segunda-Feira, dia da semana no qual a zona comercial de Itapecuru – Mirim recebe a tradicional Feira ao ar livre na qual as pessoas vão comprar de roupa e calçados a brinquedos por um preço mais acessível a suas condições financeiras, as faces se multiplicam com a vinda de centenas de itapecuruenses da zona rural, alguns para tentar fazer empréstimos, outros para consultar-se, transeunte em pleno processo de investigação existencial ando por ali, vou do canto do posto de táxi Nossa Senhora das Dores à Praça da Saudade disfarçando observar algo para comprar, fito olhares, observo palavras, banho-me de um sol causticante para tentar entender o outro, e assim compreenda a mim mesmo, teço das fibras da minha impressão um balaio de olhares, vejo dor, alegria, saudade, esperança, tento absorver o aprendizado da simplicidade da vida.

Mas que mensagem pode um olhar revelar? O que posso eu absorver ao tentar penetrar a mística deste balaio de olhares itapecuruenses? Quais os significados simbólicos e místicos que perpassam essa instância de manifestação das paixões da alma a olho nu? Segundo Chevalier e Gheerbrant(Dicionário de Símbolos,2009) “O olhar dirigido lentamente de baixo para cima é um signo ritual de benção nas tradições da África Negra. O olhar é carregado de todas as paixões da alma e é carregado de um poder mágico que lhe confere uma terrível eficácia. O olhar é o instrumento das ordens interiores: Ele mata, fascina, fulmina, seduz, assim como exprime.”

Os olhares que habitam as faces dos itapecuruenses trazem mais perguntas que respostas, trazem o prenúncio de um sorriso, esboçado quando do encontro casual de um conhecido ou parente, trazem também a semeadura de lágrimas entristecidas que se insinuam sem rolar pela face. A propósito das significações místicas que habitam o olhar Angelus Silesius afirmara que “a alma tem dois olhos; um olha para o tempo, o outro está voltado para a eternidade”. Segundo Chevalier e Gheerbrant, a mesma expressão olho da alma, do espírito ou do coração podem ser encontradas em Plotino, Santo Agostinho, São Paulo, São João Clímaco e São Gregório de Nazianzo, nestes dias nos quais o desemprego parece impregnar centenas de olhares itapecuruenses, o olho que se volta para o tempo parece entregar-se à desilusão de falsas promessas.

Se a alma itapecuruense acha-se com um dos olhos vazados pelas lanças da humana dor das mazelas sociais e do desemprego agravado pelas recentes demissões, só resta ao olho que se volta para a eternidade, na fé que move o maquinismo de tantos corações, continuar perpassando as existências com o horizonte de alguma esperança.

Enquanto centenas de mães e pais itapecuruenses choram a exoneração, a se perguntar como haverão de restituir o pão à mesa de seus filhos o balaio de olhares de uma segunda – feira revela o conteúdo que habita o seu interior e assim como em culturas indígenas abre-se os olhos das estátuas sagradas para vivificá-las, abre-se o balaio de olhares e uma visão profética parece insinuar-se.

Assim como se dizia e não se acreditava que o Rio Itapicuru haveria de se tornar um caminho de boiada, o pós-enchente de 2009 parece o prenuncio desta catástrofe ambiental, a cidade que é vivificada nos olhares de seus filhos, parece um CEMITÉRIO DE OSSOS SECOS, com direito a homens – gabirus, leilão subliminar de vaginas, prostituição infanto-juvenil e tráfico de drogas. Só resta aos deuses que carregam esse balaio de olhares nos ombros substituir o cemitério de ossos secos que nele germina pela semeadura da esperança de dias melhores, nós contritos ou evasivos, compenetrados ou revoltados, a Deus ou a Oxalá, havemos de ficar repetindo antes de dormir a prece de Hafiz de Chiraz(+ 1389) “É SOBRE O JOGO MÁGICO DO TEU OLHAR, QUE COLOCAMOS O FUNDAMENTO DE NOSSO SER”.

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