“Ser poeta é duro e dura e consome toda uma existência”, com estas palavras o grande poeta e ensaísta maranhense Nauro Machado caracterizou o ofício daqueles que foram estigmatizados pelo chamado das musas, todavia nem todo aedo cultiva a lira de seu canto órfico como se a mesma encerrasse o infortúnio de uma maldição pretérita a irmanar através do tempo uma família espiritual de artistas malditos que comungam do mesmo pão amargo do sortilégio.
Alguns privilegiados recebem sua investidura de ser poeta e exercem seu ofício com a leveza e a alegria inerentes aos homens simples de espírito, desta família espiritual faz parte o poeta, ator e teatrólogo Alison Rilktt, cultor da arte de Shakespeare desde os quatorze anos e que vem através da Cia. ARTI à maneira de Mariana Luz nos primeiros decênios do século passado perenizando o teatro nas plagas itepecuruenses.
A multiplicidade de elementos que constituem o eu-lírico e a mundividência de Alison se manifestam de forma translúcida em seu volume de versos Vagões de Lumes - Nos trilhos do rio (Produção Independente) trazido à lume em 2007, nele o artista que define sua embriogênese existencial como sendo ‘ do caminho de pedras miúdas e do útero teatral’, explora a metáfora do rio enquanto trilho mas a idéia do caminheiro da existência celebrizada por Nietszche em seu célebre texto O Andarilho e sua sombra, não evoca em Alison a solidão e o abandono mas o pertencimento da vida ao reino da esperança, como conclui no poema que nomeia a obra.
Que a esperança não seja a última que morre,
Mas que seja a primeira a nascer.
Que as flores exalem seus perfumes,
que nos trilhos do rio, possamos percorrer,
olhando pelas janelas dos vagões de lumes.
A dimensão telúrica se manifesta em poemas como ‘Meu lugar, meu túmulo!’, onde inspirado na canção do exílio de Gonçalves Dias, o artista evocando elementos de nossa flora “ No meu lugar tem juçareiras/ formando os juçarais,/ tem as imensas palmeiras/ de babaçu, seus cocais...” declara em um amplexo de reconhecimento ao ventre no qual foi gerado, sua predileção por um leito derradeiro que preencha a geografia sentimental da tradição poética que trafega em suas veias é antes a denuncia singela de uma paixão legítima por Itapecuru-Mirim que uma declaração de amor provinciano onde a hipocrisia transparece desnudada em sua vacuidade.
“ Se distante eu estiver quando me abraçar a morte,
rogo a Deus para ser plantado sob as raízes do babaçu,
pois que meu destino faça da minha sorte
morrer em Itapecuru!”
O patrimônio arquitetônico singular da Casa de Cultura é evocado em seu “Soneto ao Casarão”, os vultos provincianos que blasonam as páginas de nossa história são ressucitados pela lira que declama, “De noite e de dia/ vai o velho João, vem a luz Mariana/Que não é a luz de mãe Maria, / É da poetisa, da ‘cigarra’ de alma humana”.
Depreende-se da leitura de Vagões de Lumes que Alison Rilktt é um versejador de forte lirismo telúrico que canta sua terra com alegria sem jamais ceder à nostalgia merencória, canta o amor com um erotismo tênue em poemas como “Soneto de Amor” e “Meu bem, minha flor”, religioso convicto dos propósitos divinos, acaba por declarar uma razão superior para nossa passagem por esta existência, “Não somos do céu almas banidas/ há um motivo para estar existindo”.
A despeito da variedade temática e da expressividade inerente a sua produção poética não existe nada consumado em termos de amadurecimento estético, o poeta caminha sabedor das pedras que habitam o caminho que conduz ao domínio da técnica, consciente de que ser senhor de sua arte, de seu engenho e das formas do poema é uma odisséia onde as zonas limítrofes entre a glória e o fracasso são estabelecidas por uma linha tênue, não obstante é comprometido com as coisas do espírito que o artista sensível ao belo e ao sublime vai forjando a tessitura singela dos vagões de sua existência.
terça-feira, 13 de abril de 2010
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